segunda-feira, maio 09, 2005

Já que o tratamento que o INSS dá à população idosa não gera muita discussão (até porque não há debate, porque é muito difícil defender a posição do Governo), estou lançando um outro tema: o das Parcerias Público-Privadas, apelidadas de PPPs, criadas e implementadas em diversos países, notadamente na Inglaterra, e que ao final do ano passado tornaram-se objeto de lei federal (Lei 11.079 de 30 de dezembro de 2004).

Bom, este tema gerou inúmeros comentários nos mais diversos meios, e pode (ou não) vir a se tornar importante no cenário econômico, jurídico e político do nosso país.
Tecnicamente, uma "PPP" é gênero do qual Concessões e Permissões (e outros institutos já existentes) são espécies, conforme ensina Maria Sylvia Zanella DI PIETRO: “Fala-se em parceria entre poder público e iniciativa privada para designar fórmulas antigas, como a concessão e a permissão de serviços públicos” (in Parcerias na Administração Pública – Concessão, Permissão, Franquia, Terceirização e Outras Formas. 3. Ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 13.). Nesse sentido, a lei de 30 de dezembro do ano passado nada mais fez do que apresentar novas formas de parceria, tomando como base a modalidade de contrato administrativo denominada "concessão". Com base na nova lei, é estabelecido vínculo jurídico entre a Administração Pública e o parceiro privado para a implementação ou gestão no todo ou em parte de atividades de interesse público em que haja o aporte de recursos, financiamento e execução suportados pelo parceiro privado.

Afirmam os juristas que as PPPs são, em última análise, "instrumentos para realização de obras públicas ou a prestação de serviços, conforme o texto legal, e têm como objeto a delegação total ou parcial da prestação ou exploração de serviço público, precedida ou não da execução de obra pública; da prestação de serviços à administração ou à comunidade, também precedida ou não de obra pública, excetuadas as atividades que são exclusivas do Estado; a execução de obra para a administração pública; e a locação ou o arrendamento à administração de obra a ser executada" (UFA!)

Mas então, se não foi criada uma nova modalidade de contratação, qual é a novidade?
Vamos lá: a idéia das PPPs alinha-se à tendência mundial de flexibilização na contratação de bens e serviços por parte da administração pública, após o esgotamento de praticamente todos os demais modelos tradicionais (privatização, licitação, concessão etc.), possibilitando a criação de oportunidades de negócios para a iniciativa privada. Atividades originalmente exploradas pelo Estado passam a poder ser também desfrutadas pelos particulares (isso não soa familiar?), os quais se valerão de sua eficiência e experiência no ramo escolhido para objeto da PPP.

Por uma série de motivos, principalmente a falta de recursos por parte do Estado, as PPPs foram colocadas para o público como passo fundamental para a atração de investimentos de longo prazo para projetos de infra-estrutura, saúde, segurança pública e educação. Isto porque o Estado, com suas próprias forças e orçamento, não poderia implementar (com similar com a devida eficiência, abrangência e qualidade) sozinho tais projetos.
O avanço (em relação àquilo que já existia) reside no fato de haver uma partilha de risco entre os setores público e privado, arcando o primeiro somente com a remuneração sobre a efetiva disponibilidade da obra ou serviço realizado pelo particular e dentro de parâmetros de qualidade e eficiência pré-determinados (dispensando, portanto, o desembolso imediato de recursos por parte do Estado). Argumenta-se que nesse modelo a partilha de riscos é mais equilibrada do que nas nas tradicionais formas de contratação, tais como nas concessões.
Em contrapartida, o Estado precisa demonstrar sua credibilidade como sócio dessa modalidade de empreendimento em conjunto, daí porquê existem muitos investidores céticos com relação ao sucesso das PPPs (até porque sem investimento da iniciativa privada, nenhum projeto de PPP poderá ser sequer contemplado). Aí entra um primeiro problema: a histórica instabilidade das decisões tomadas pelo Estado brasileiro, com mudanças de orientação não apenas entre diferentes governantes mas também dentro do mesmo mandato pode vir a pesar em desfavor das PPPs, que teriam os mesmos problemas enfrentados por contratos de concessão em geral.

Outras perguntas surgem:
a) A criação de uma nova modalidade de contratação é realmente condição necessária para a atração de investimentos de longo prazo?
b) Por que acreditar que uma nova modalidade que incorre em muitos dos erros e incentivos perversos das anteriores resolverá o problema?
c) Quem regulará e fiscalizará os contratos de PPPs?
d) Qual o regime tributário aplicável, já que o próprio Estado é um dos parceiros do empreendimento? Público ou privado? Existirá algum incentivo fiscal nas PPPs (caso em que haverá criação de distorções nos mercados onde tal tipo de contratação se fizer presente)?
e) Como será selecionado o parceiro privado? Quais as garantias de imparcialidade nessa escolha?
f) Como minimizar os riscos existentes, sejam eles de crédito por parte da administração, político, do próprio contrato, de desapropriação, da morosidade judicial para solução de conflitos, da variação cambial nos casos de investimentos estrangeiros, da ilegalidade do próprio contrato firmado entre as partes em relação às demais leis em vigor no país? A instituição da modalidade de contratação "PPP" mitiga algum destes riscos?

Assumindo como verdade a simplificação de que "quanto maior o risco, maior deve ser o retorno", as garantias a serem oferecidas aos particulares deverão ser claras, sólidas e proporcionais ao montante a ser por eles aportado, até porque tal desembolso será de imediato e a remuneração por parte do Estado virá tão-somente no momento da efetiva disponibilização da obra ou serviço à população. Diante de tantas questões mal-definidas, é criado um ambiente de incerteza que inibe os investimentos privados.

Seguindo adiante, um problema que me preocupa particularmente é a a ausência de definição precisa dos órgãos contratantes (permitindo a fuga do controle orçamentário da União, Estados, Distrito Federal e municípios). Corremos o risco do instituto da parceria público-privada tornar-se uma fonte de déficits crescentes? Uma "rota de fuga" ao controle orçamentário atualmente existente? Ainda, a precedência nos pagamentos das PPPs em relação aos contratos de obras públicas poderá dinamitar a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Outro problema relevante para o caso brasileiro: a possibilidade de os concorrentes poderem apresentar propostas técnicas alternativas para a execução das obras sob parcerias abre uma brecha para que administradores burlemitens fundamentais em uma licitação, tais como julgamento objetivo, isonomia e vinculação ao edital do certame.
Mas a minha lista de dúvidas e preocupações ainda não acabou... O texto final (aprovado pelo Senado Federal) suprimiu a exigência de pré-qualificação para a concorrência e a apresentação do projeto básico, condição essencial para a abertura do processo licitatório no texto que passou pela Câmara dos Deputados. O texto em vigor permite que os interessados apresentem estudos e projetos com valores arbitrários de ressarcimento, que poderão ser aprovados pela Administração Pública sem licitação (talvez até com vantagens do proponente sobre os demais interessados). O problema de fundo gerado por essas supressões e ausências é que elas permitem escolhas subjetivas de propostas, abrindo vasta avenida para acertos, digamos, espúrios entre administradores públicos e empresas privadas.

Por fim, esta nova modalidade corre o risco de transformar-se num instituto onde o próprio poder público garantirá o retorno do investimento privado através da criação de um Fundo Garantidor, de forma que se o retorno não corresponder ao inicialmente previsto o Estado irá remunerar os serviços, de modo a recompor o lucro do parceiro privado; assim os riscos do empreendimento seriam integralmente suportados pelo Poder Público que se obriga a garantir a rentabilidade do investimento de seu “parceiro”... um negócio da China, vindo de um governo que tanto se preocupa em criticar as vantagens dadas pelo anterior ao investidor privado .

7 Comments:

Blogger Dimitri Joe said...

Bem, vamos ver se eu entedi as perguntas relevantes. Em primeiro lugar, acho que a Helô tá perguntando o seguinte: porquê tanto barulho por essas tais de PPPs, se elas não são algo tão novo assim? Concessões e permissões já estão aí há um tempo, e as PPPs seriam apenas uma extensão desse tipo de arranjo.

Por outro lado, parece haver o problema do compartilhamento de risco. Pelo visto, o Estado assegura o investidor privado de uma maneira mais, digamos, completa do que nos arranjos anteriores. A quem argumenta que isto seja mais "equilibrado" do que o praticado nas concessões, cabe o ônus da prova.

Quanto às perguntas a) - f) da Helô. a) acho sim, que sejam necessários novos arranjos para parcerias entre Estado e setor privado, principalmente se tais parcerias forem voltadas para o investimento em infra-estrutura. Ou alguém descorda que o nosso investimento em infra está bem abaixo de algum nível ótimo?

b) reduzir o risco do investidor privado mantendo a rentabilidade fixa é um belo incentivo ao investimento. Pelo visto os outros arranjos não eram capezes disso...

c) - f) isso são perguntas para advogados que leram o texto da lei. Passo...

E finalmente, esse ponto sobre a responsabilidade fiscal (RF) realmente preocupa. O Estado vai, assegura o investidor: caso haja algum ressarcimento no futuro, tal despesa entra ou não na conta da RF? Caso entre, coitado do contribuinte que vai ter que pagar com a sua saúde e educação uma ponte por onde não passam carros. Caso não entre, corremos o sério risco de ver os tempos de desequilíbrio fiscal voltarem.

11/5/05 10:26 AM  
Blogger Heloisa said...

Respondendo às perguntas...

Ivo, o problema da escolha dos parceiros nos contratos é justamente esse: a forma de fiscalização está mal definida. Argumenta-se que seria a mesma regra das concessões, mas isso não está muito claro. No limite, tudo é fiscalizado pelos Tribunais de Contas, então eles deveriam, em algum momento, fiscalizar, acho eu... só que isso também é etéreo. Como eles vão fiscalizar a aplicação de regras se as regras não são muito claras? Se depende de interpretação e da famosa discricionaridade do administrador.
Na minha opinião, as PPPs poderiam até ser uma boa idéia inicialmente, mas que foi extremamente mal implementada (dá para perceber que a minha opinião sobre o instituto não é das melhores, né?).
Thiago, o tema da eficácia das PPPs passa, acho eu, pelo tema de como avaliar a eficácia de políticas públicas em geral. Qual é o critério que define ser uma determinada escolha do gestor dos recursos públicos melhor do que as demais? Onde esse critério é definido?
Sobre o tema "a necessidade de instituições estáveis e bem definidas para que medidas liberealizantes sejam eficientes", tem um texto interessante de um professor chamado Francisco de Oliveira, apresentado naquele ciclo de seminários "Brasil em Desenvolvimento", entitulado "Dêem-me Ademir e eu darei o campeonato". Sugiro fortemente a leitura (o download está disponível no link http://www.ie.ufrj.br/desenvolvimento/pdfs/deem_me_ademir_e_eu_darei_o_campeonato.pdf).

13/5/05 10:05 AM  
Blogger Felipe said...

Pergunta de economista de botequim:

Dado que o governo quer incentivar o investimento. Dado que os impostos no Brasil sao muito altos e distorcem em particular o incentivo para investir, dado que o governo esta considerando botar grana nisso...

Por que simplesmente nao dao um incentivo fiscal pra quem quizer investir em infra-estrutura e pronto?


Em todo caso acho que a propalada incapacidade do estado de invetir tem muito mais a ver com a bagunca que sao as contas publicas do que qualquer outra coisa. Se o estado tivesse a minima capacidade de administrar os recursos que tem, conseguia dinheiro pra investimentos basicos.

Pra nao dizer que com a economia crescendo fica tudo mais facil...

PS.: Helo, nao consegui entrar no site do texto. Tem certeza que ta certo?

13/5/05 12:45 PM  
Blogger Dimitri Joe said...

Felipe, se o que o investidor busca for menos risco (variância do fluxo de caixa), então incentivo fiscal não é um bom incentivo, quando comparado ao seguro dado pela PPP. Além disso, dar incentivo signifca, necessariamente, perder receita. Mas com a PPP, o governo só "perde receita" quando o negócio dá errado. Mais uma: dá incentivo fiscal pra um, e não dá pro outro pra ver como que fica. Vai ser uma loucura. É um custo político grande, que certamente vai se traduzir num custo fiscal.

O que eu ainda não entendi na estória das PPPs (cacuete de economista) é como que ficam os incentivos: porra, se o público garante, porque o privado vai se esforçar? Para garantir uma parceria futura? Pode ser, mas se o cara for bom, dá um tiro só, e aí acabou.

13/5/05 7:37 PM  
Blogger Felipe said...

Bom, quando falei em incentivo fiscal tava pensando em uma coisa com regras claras pra não dar ciumeira.

Então deixa eu ver se entendi: a idéia da PPP é que, como o Brasil não tem mercado de ativos de longo prazo, as empresas não têm como comprar hedge pra garantir os investimentos. O governo então tem que entrar oferecendo o seguro. Agora, como o Dimitri bem lembrou, se o seguro é completo as empresas fazem qualquer porcaria e depois mandam a conta pra viúva. É um problema de agente principal clássico!

Só tem um porém: não acho óbvio que o governo do Brasil deveria ter menos aversão ao risco (ou mais capacidade de se "hedgear") do que empresas privadas, principalmente se essas empresas forem multinacionais como muitas que investiram em infra-estrutura no Brasil e imagino, deveriam entrar nessa história das PPPs e menos ainda se elas forem estatais de outros países, como a EDF que comprou a Light.

A não ser, é claro, que agora as pessoas estejam pensando no Estado como o agente e as empresas como o principal. As multinacionais não conhecem o país, não têm poder político para impedir que elas sejam expropriadas numa crise e não tem como comprar seguro para esse tipo de coisa lá fora pelos mesmos motivos (só que agora, da parte da seguradora). O governo entra garantindo retorno e assumindo o risco pra elas terem certeza de que na hora H não vai sacanear. Acho que é mais isso que tá na cabeça do pessoal que fez a lei.

13/5/05 9:09 PM  
Anonymous Anônimo said...

Ola,

Na minha opinião esta história das PPPs é muito importante e, pelo que parece, é uma questão de ajuste nos incentivos...um ajuste fino que talvez não tenhamos acesso, já que somos todos meio inguinorantes no assunto.

Se o estado não tem capacidade para investir, se a iniciativa privada faria isso com maior eficiência e se os incentivos forem bem desenhados, ótimo que as PPPs existam.

As unicas criticas mais fortes que já ouvi e li em outros lugares dizem respeito à LRF e à pertinencia das PPPs, pela já existencia das concessões e permissões. Helo, vc poderia nos explicar melhor a diferença entre essas modalidades?

abraços,
Rudi

14/5/05 12:47 PM  
Blogger Heloisa said...

Olá, rapazes!

Bom, o link que eu mandei saiu faltando um pedaço... de qualquer forma, este download está disponível na página de downloads de PDFs do IE, em: http://www.ie.ufrj.br/download/index.php

O link que aparece para mim é realmente http://www.ie.ufrj.br/desenvolvimento/pdfs/deem_me_ademir_e_eu_darei_o_campeonato.pdf

Quanto à questão dos incentivos, achei interessante a idéia de que na verdade o governo seria o agente e as empresas o principal. Não tinha me ocorrido modificar o ângulo da questão. Mas ainda assim, o problema é que se os incentivos não forem bem desenhados, podem ser gerados resultados que não tenham sido inicialmente previstos. Assim, não é só uma questão de identificar se, em tese, seria possível que um determinado desenho gerasse um resultado... temos que avaliar se aquele é o melhor desenho possível naquela situação, ou se há opções menos custosas (inclusive em termos de redução dos custos com a burocracia estatal), mais eficazes (numa relação direta mesmo: produzir o resultado a um menor custo) e com a menor quantidade possível de brechas para a corrupção (não esqueçamos que esta é uma realidade em nosso país).
Apesar do modelo "PPP" realmente ser, em tese, capaz de gerar incentivos para o investimento, eu tenho minhas dúvidas se é a melhor opção para o caso brasileiro (na prática).
Quanto à LRF e à sobreposição entre PPPs, concessões e permissões, respondo mais tarde.

Beijocas.

16/5/05 11:10 AM  

Postar um comentário

<< Home