segunda-feira, outubro 24, 2005

Democracia Direta ou Representativa?

Talvez mais interessante do que a discussão sobre se se devia ou não apertar um último parafuso contra o comércio legal de armas, acabando de fechá-lo, é a discussão que apareceu um pouco (mais não muito) na imprensa sobre méritos e deméritos da democracia direta. Alguns enxergam no referendo o início de uma tendência no sentido de se realizar mais consultas populares. Para citar a Teresa Cruvinel hoje no Globo:

""São muitos os parlamentares que ficaram animados com o resultado do
referendo. Querem que os eleitores também votem temas como pena de morte,
aborto e união civil. "

Por que limitar o poder das massas? Os argumentos aqui são eminentemente conservadores, o que não significa que sejam ruins. As massas se guiam por psicologia coletiva, são portanto volúveis, levando a instabilidade. Também têm pouco conhecimento dos assuntos que estão em pauta pois não se dedicam integralmente a estudá-los. Com o voto obrigatório podem vir a ser obrigadas a votar sobre assuntos no qual têm pouco interesse. Por fim, ao dar a decisão de todos os temas para a maioria corre-se o risco de se desrespeitar os direitos das minorias. O político profissional aparece como uma figura central, que por se dedicar integralmente a entender as nuances dos problemas em jogo e articular as posições dos diversos grupos de interesse, é o mais capacitado para tomar essas decisões. O que diferencia esse político de um tecnocrata, é que ele é eleito pelo voto, de modo que suas decisões tem legitimidade. Por essa visão o erro foi ter feito o referendo pra início de conversa.

Para os que defendem a democracia direta o único motivo para isso é que as elites não querem perder seu poder. O político profissional é apenas um agente de um grupo restrito, cuja campanha é financiada pelo dinheiro das grandes corporações e o povo comum não tem quem o represente. Esse resíduo de discurso marxista seja talvez o tema principal da esquerda pós-moderna. A critica à democracia representativa se encontra no discurso da Naomi Klein contra o poder das grandes corporações multinacionais, na liderança do “Não” à constituição Européia na França, no movimento de massas contra a guerra do Iraque na Inglaterra. Uma parte grande da população, principalmente na Europa, parece estar se sentindo alienada do processo político, e de forma mais aguda quando este envolve negociações internacionais. Daí a força do movimento anti-globalização. Uma interpretação do “não” no nosso referendo é que foi de uma certa forma uma expressão dessa alienação. Numa agenda mais positiva, a defesa da democracia direta aparece também na demanda de acadêmicos e ONGs por "ownership" dos programas sociais agora também encampada pelo Banco Mundial e como motivador das experiências de orçamento participativo.

O debate sobre democracia direta é antigo, e muitos dos argumentos a favor de um sistema representativo remontam da Independência dos EUA. Jefferson e seus amigos escreveram a constituição explicitamente de modo a evitar o governo direto pelas massas, incluindo os famosos “checks and balances”. Ainda assim, a democracia americana permaneceria em muitos sentidos mais direta do que as democracias européias, uma vez que essas se estabelecessem. O mais interessante é que, talvez contraditoriamente com o discurso de esquerda, em boa medida o viés conservador da política americana se dá justamente por essa maior representação das massas no processo político. Para dar um exemplo, a história de como a pena de morte foi abolida na Europa mas não nos EUA é em boa medida uma história de por um lado um movimento pela abolição liderado de cima para baixo, pelo governo, burocratas e elites intelectuais na Europa com a população desta aos poucos se afeiçoando à idéia e por outro lado um movimento freqüentemente submetido a sanção popular e rejeitado por esta nos EUA.

O que nos trás de volta ao “Não” no referendo contra as armas. Ganhou a opção conservadora no sentido americano da palavra. Minha sensação é que a política no Brasil só não é muito mais parecida com a política nos EUA porque, ao contrario de lá, no Brasil a massa, principalmente das pequenas e médias cidades do interior bem como a baixa classe média das grandes cidades não é articulada politicamente de modo que só as vozes que aparecem são das elites “liberais” (também no sentido americano da palavra). É como se a política nos EUA fosse somente a política de Nova York, Boston, Chicago, Los Angeles e São Francisco. O que nos leva de volta à observação da Teresa Cruvinel. Democracia direta parece ser um instrumento por excelência dos “conservadores sociais”, os que são contra casamento gay, aborto, proibição da venda de armas etc. Com o crescimento das Igrejas Evangélicas e a desmoralização da esquerda no governo Lula, me parece que vamos ouvir falar cada vez mais dessas coisas.


As perguntas para discussão são:

Queremos mais democracia direta, como referendos etc.?

Caso não queiramos isso, qual mecanismos são necessários para aumentar o grau de legitimidade do sistema?

Estamos preparados para viver num país onde questões sociais relevantes para o respeito à minorias como o direito de casamento de gays, a descriminalização do aborto, pena de morte e outros são submetidos à vontade de uma maioria conservadora?

E, talvez de forma mais relevante e direta: enquanto cidadãos influentes e afluentes da classe média intelectual do Rio de Janeiro, estamos preparados para que decisões importantes do nosso país sejam deixadas a cargo de uma maioria tão distante culturalmente e ideologicamente de nós?

2 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Um referendo bacana seria o seguinte:

Vamos dar ferias coletivas pros brasileiros enquanto estrangeiros consertam o pais? Se aprovado o programa (batizado de "Nunca e tarde pra recomecar") funcionaria assim.

Primeiro voce pega todo mundo e bota numa super-ultra-mega colonia de ferias numa ilha do pacifico. Tudo pago pela viuva.

Depois de esvaziar o pais (deixa so uma junta administrativa), voce envia convites para Australianos, Ingleses, Americanos e Canadenses para virem se instalar temporariamente no Brasil - todo o processo de selecao e instalacao pago pela viuva.

Ai depois de uns anos de funcionamento organizado e baseado em planejamento serio botando em ordem tudo (uns 10 anos considerando que sao anglo-saxoes?!), o governo provisorio comeca a encerrar as ferias dos brasileiros na ilha do pacifico.
Claro que os caras nao sao trouxas: apenas grupos pequenos seriam trazidos de volta por vez, pra garantir que os brasileiros nao teriam chance de reproduzir inpunemente os vicios de antes.

Depois que todo mundo voltasse (uns teriam morrido na ilha de velhice e tedio, paciencia) os Australianos, etc, por forca da lei feita pela junta administrativa, voltariam (gradativamente) pros seus paises. A missao estava cumprida.

Factivel ne?

26/10/05 10:05 PM  
Anonymous Anônimo said...

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20/2/10 3:34 AM  

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