sexta-feira, agosto 12, 2005

Redimindo a eleição do Collor

Na época dos escândalos do Collor, meu irmão, que na época estudava comunicação visual na PUC, colocou um adesivo no carro escrito "Não tenho culpa. Votei no Lula" em torno de uma foto do Collor com um bigodinho de Hitler. Me lembro também de ir nas famosas passeatas dos cara-pintadas em Copacabana nas quais o pessoal cantava: "Você votou no homem? Eu não! Votou no homem? Eu não! Então tá na cara que foi fraude de eleição!" Era de fato uma época onde ninguém jamais admitiria ter votado no homem. Mas ele foi eleito e, fora as artimanhas da imprensa, até hoje não apareceu nenhuma evidência de que tivesse houvido fraude eleitoral direta. O Collor foi efetivamente eleito pela maior parte do eleitorado brasileiro, e, até hoje, isso foi motivo de vergonha para muita gente. Até hoje. . .

Um balanço correto da eleição do Collor deve ser realizado comparando-o com o que teria sido um eventual governo Lula. Vamos começar pelo o que não era novidade. O maior problema econômico da época era a inflação alta. O Collor tentou resolver isso bloqueando as poupanças. Foi o desastre que todos conhecemos. Mas na época não era tão óbvio para todo mundo que, apesar de um tanto drástica, isso não era uma solução viável para o problema. Além disso seria possível fazer um argumento de que um problema tão drástico exigia uma solução igualmente drástica. Pessoalmente eu tenderia a discordar desse argumento pelo número de histórias que a gente escuta de pessoas que foram impedidas de realizar negócios que tinham o poder de definir sua vida ou, pior ainda, impossibilitadas de pagar viagens para tratamentos médicos importantes. Mas acho também que dá para botar isso na conta da insensibilidade básica dos economistas. A recessão naquele ano, que foi, se não me engano, a pior que se tem notícia, foi muitíssimo mais amena do que a experimentada por outros países latino-americanos em situações extremas semelhantes. Por outro lado, o governo Collor foi responsável pela abertura comercial e início do processo de privatização que modernizaram nossa indústria e em última análise podem ser creditados pelo atual boom exportador. O que teria sido um governo Lula na área econômica? Difícil dizer, tantas expectativas o atual governo já vem desfazendo. Mas pelo discurso que o Lula tinha na época seria de se esperar que ele renegasse a dívida externa e possivelmente a dívida interna também. Isso numa época em que todos os países da América Latina já estavam renegociando adívida externa com sucesso, na trilha dos "bradys". O calote da dívida interna, caso tivesse ocorrido, teria sido equivalente ao bloqueio das poupanças. E isso para não falar da ameaça das centenas de milhares de empresários saindo do país!

O que é novidade, é que sempre se acreditou que num governo Lula não teríamos a roubalheira ocorrida no governo Collor. Pessoas de princípios que nós somos, acreditamos que um bom governo tem de ser antes de mais nada honesto. O resto vem depois. Nesse sentido, nossas preferências políticas são (desculpem-me o jargão nerd-economista-matemático) lexicográficas. Revolução socialista tudo bem, mas botar dinheiro dopovo no bolso, jamais! E isso sempre deu a nós que votamos no Lula em 89 (eu não votei que não tinha idade pra isso, mas no segundo todos meusfamiliares mais próximos votaram) uma sensação boa de ter feito a coisa certa e a todos que votaram no Collor uma sensação de vergonha. Até que,finalmente, descobrimos que a gang do Lula é tão ou mais corrupta que a gang do Collor. Eu ia dizer que são piores por terem feito tudo em cimado discurso da ética. Mas na verdade foi esse também o discurso que elegeu o "caçador de marajás". E, por fim, "minha gente", como bem temnos lembrado o advogado do Collor, Roberto Jefferson, nada nunca foi provado contra elle, absolvido em mais de uma centena de processos.

Pensando nessas coisas a gente até começa a querer dar graças a Deus pelo Roberto Marinho e aquela filha ilegítima do Lula. . .

Antes que todos vocês comecem a me xingar, deixa eu refazer meu ponto: Não estou propondo a redenção do Collor, mas da eleição dele. Depois de seu impeachment, passamos por uns dez ou quinze anos onde ninguém no Brasil se indentificava como "de direita" e onde o neo-liberalismo era associado com a época de maior roubalheira na nossa história. Com os escândalos atuais, o terreno está preparado para um discurso de absolvição mesmo que parcial do Collor (afinal, mais bandido que o Getúlio ou o Juscelino eu duvido que ele fosse) e uma forte reação de direita. Mesmo que a gente deteste o discurso que coloquei ali em cima, a verdade é que agora ele fica plausível, de modo que não fica mais tão fácil dizer que a eleição do Collor foi um grande erro que não deveria ter ocorrido. Se ao invés de, como muitos percebiam, o Collor ter sido um acidente de percurso no caminho rumo ao Lula, o Lula passar a ser entendido um acidente de percurso no caminho estabelecido pelo Collor, a projeção desses caminhos para a frente se altera bastante.

Não me lembro se foi o Delfim ou algum tucano que falou antes do Lula ganhar que era melhor que ele ganhasse, que depois de 4 anos o PT ia ficar 20 sem se eleger. Se bobear, até o PT se eleger de novo, o Collor já vai estar sendo lembrado como um importante presidente do nosso país, ou, ao menos, como um mal menor.