quinta-feira, abril 14, 2005

Algumas Considerações sobre a Reforma Universitária

Caros,

Finalmente cumprimos o prometido. Aqui estão algumas breves linhas sobre a reforma universitária que podem servir como pontapé inicial para os nossos debates.
A reforma universitária é um conjunto de medidas em forma de Lei que, como o nome diz, se refere à universidade brasileira. Ela parte do reconhecimento de que é preciso mudar o quadro atual do ensino superior brasileiro afim de que sejam melhorados uma série de aspectos tais como o acesso à educação superior, a qualidade do ensino, a gestão das universidades, entre outros. A proposta da reforma foi elaborada pelo ministério da educação. Em seguida, o ministério escutou críticas e sugestões da sociedade em geral, modificando alguns dos pontos da proposta inicial, e encaminhou ao Congresso Nacional, onde novas alterações poderão ser feitas, e a redação final será votada.

Ao analisarmos a proposta, os princípios defendidos pelo Ministério da Educação devem ser o primeiro ponto merecedor de atenção:

"Há fundamentos de que não nos afastamos: a educação como bem público, a expansão da universidade pública e a necessidade de marcos regulatórios que dêem tranqüilidade para os agentes (privados) trabalharem com qualidade, afastando a visão de que educação pode ser uma mercadoria qualquer." (Ministro Tarso, O Globo de 10/03/05, pode ser acessado em www.schwartzman.org.br/simon/).

Voltarei a esse ponto mais adiante.

Há uma série de pontos polêmicos no texto original da reforma. Aqui estão três deles:

a) a existência do "conselho comunitário social", formado "pelo reitor (...), entidades corporativas, associações de classe, sindicatos e da sociedade civil". Este conselho tem as prerrogativas, entre outras, de "opinar sobre o desempenho da universidade, elaborar e encaminhas subsídios para a fixação das diretrizes e da política geral da universidade"

b) a autonomia na escolha dos dirigentes, isto é, é a comunidade universitária que decide quem será o reitor.

c) a maneira pela qual serão feitos os repasses às universidades federais: as federais nunca receberão montante inferior ao recebido no ano anterior. Além disso, receberão o adicional necessário para o custeio de pessoal.

Estes três pontos são, na minha avaliação, bastante negativos. O conselho comunitário social, além de prerrogativas um tanto vagas, parece ferir a (tão defendida, pela própria proposta de reforma) autonomia da universidade. Além disso, estou me perguntando até agora o que os sindicatos e associações de classe estão fazendo dentro das universidades.
A eleição direta dos dirigentes, por sua vez, pode agravar o que já vem acontecendo nas universidades públicas: a transformação da universidade em arena de disputas pelo poder entre os diversos grupos que compõem a universidade. Tal "politização" (ou melhor, "partidarização") pode fazer com que interesses de corporações se sobreponham aos interesess da própria universidade.

Finalmente, o modo de financiamento das universidades federais só pode ter sido elaborado por quem não entende xongas de economia (acho que devemos chamar esta pessoa para umas boas conversas neste boteco), e como todos nós somos economistas de botequim, me recuso a dar maiores explicações.

A visão da educação como bem público (e aqui volto ao ponto aberto anteriormente) me parece também completamente equivocada, principalmente se tratando de educação superior. Caso meus caros amigos economistas estejam com preguiça de procurar e folhear o antigo Varian, vos lembro rapidamente de uma definição: bem público, em oposição a bem privado, é aquele cujo consumo por um indivíduo não exclui o consumo dos demais. Assim, o provisionamento de um bem público de acordo com o equilíbrio do mercado seria ineficiente, já que haveria o incentivo de todos a "pegar carona" ao invés de pagar pelo bem. Obviamente, a educação não se enquadra em tal definição.
Ok, o que o Minstro queria dizer não era extamente isso; ele queria dizer que a educação superior é importante para o país: todos se beneficiam quando alguém vai para a universidade. Sem dúvida isto é verdade, mas há que ver em que grau. Se não existir nenhum graduado no país, um graduado fará a maior diferença; mas quando existem milhões de graduados, um a mais, um a menos, importa a quem? Bingo: para aqueles que se graduam, para aqueles que adiquirem a educação superior. Ora, se é assim, porquê todos, inclusive aqueles que nunca foram ou irão para a universidade - por opção ou por fatalidade -, devem pagar a educação de que vai para o ensino superior. Notem que nesse ponto sequer mencionei o perfil daqueles que vão para a universidade pública gratuita.

Além disso, parece que essa visão da educação como bem público tem seus reflexos na reforma quando se trata do ensino superior privado. Se entendi bem (e se de fato entendi bem, isso se deve ao Simon Schwartzman - www.sschwartzman.blogspot.com/ ), o que a reforma propõe é um controle forte sobre a criação de cursos no setor privado - o que já foi objeto de algumas discussões de botequim entre eu e outros botequeiros aqui presentes. Se entendi bem, a reforma daria poderes ao Ministério (ou a sei lá a que órgão) de direcionar a criação de novos cursos segundo "a função social da educação". Se for isso, então entendo perfeitamente quando o Simon acusa a reforma de ser autoritária (O Globo, 10/03/05): porquê um, dois ou quinhetos burocratas em Brasília deveriam dizer que cursos podem ser abertos, e quais não podem? Se eu sou um jornalista, e quero abrir uma escola de jornalismo que esteja de acordo com o que eu acredito, eu não posso só porquê os burocratas acham que o país precisa de mais médicos e engenheiros? Pior: limitando a criação de novos cursos em determinadas áreas, os burocratas de Brasília estariam na realidade dizendo o que eu devo estudar. Sem contar a possiblidade de eles tomarem as suas decisções cedendo a pressões de certos grupos profissionais (o que de fato faz parte da regra do "jogo democrático") que querem assegurar seu "market share" limitando a formação (e, portanto, a entrada no mercado) de novos profissionais. Mas não tenho a certeza de que a reforma proponha isso, até porquê a parte do texto que trata do ensino privado é chata de se ler. Quem um dos economistas de plantão não é capaz esclarecer este ponto?

Dois pontos mais e chega:

1. vejam a frase do Ministro:

"- O objetivo (da reforma) é que não se repitam cenas como ocorreu aqui no Rio de Janeiro, por exemplo, em que determinadas faculdades coloquem vans na frente de outras escolas dizendo o seguinte: -Você aqui no curso tal está pagando R$ 300, vá para a minha faculdade que lá é R$ 100-... " (O Globo, 10/03/05)

Se ambas as universidades receberam avaliação positiva do MEC, eu me pergunto: qual o mal nisso? Aliás, que ótimo que se pode estudar por R$100 sem onerar os cofres públicos.

2. Eu me fazia essa pergunta, e o Rudi também sugeriu que fosse posta no ar: a quem essa reforma interessa, e ela fere on interesses de quem?

Creio que já me estendi mais do que devia. Vamos agora esperar os cometários, e que alguém leia os trechos do texto da reforma que eu não li.

Abraços,
Dimitri