Já que o tratamento que o INSS dá à população idosa não gera muita discussão (até porque não há debate, porque é muito difícil defender a posição do Governo), estou lançando um outro tema: o das Parcerias Público-Privadas, apelidadas de PPPs, criadas e implementadas em diversos países, notadamente na Inglaterra, e que ao final do ano passado tornaram-se objeto de lei federal (Lei 11.079 de 30 de dezembro de 2004).Bom, este tema gerou inúmeros comentários nos mais diversos meios, e pode (ou não) vir a se tornar importante no cenário econômico, jurídico e político do nosso país.
Tecnicamente, uma "PPP" é gênero do qual Concessões e Permissões (e outros institutos já existentes) são espécies, conforme ensina Maria Sylvia Zanella DI PIETRO: “Fala-se em parceria entre poder público e iniciativa privada para designar fórmulas antigas, como a concessão e a permissão de serviços públicos” (in Parcerias na Administração Pública – Concessão, Permissão, Franquia, Terceirização e Outras Formas. 3. Ed. São Paulo: Atlas, 1999, p. 13.). Nesse sentido, a lei de 30 de dezembro do ano passado nada mais fez do que apresentar novas formas de parceria, tomando como base a modalidade de contrato administrativo denominada "concessão". Com base na nova lei, é estabelecido vínculo jurídico entre a Administração Pública e o parceiro privado para a implementação ou gestão no todo ou em parte de atividades de interesse público em que haja o aporte de recursos, financiamento e execução suportados pelo parceiro privado.
Afirmam os juristas que as PPPs são, em última análise, "instrumentos para realização de obras públicas ou a prestação de serviços, conforme o texto legal, e têm como objeto a delegação total ou parcial da prestação ou exploração de serviço público, precedida ou não da execução de obra pública; da prestação de serviços à administração ou à comunidade, também precedida ou não de obra pública, excetuadas as atividades que são exclusivas do Estado; a execução de obra para a administração pública; e a locação ou o arrendamento à administração de obra a ser executada" (UFA!)
Mas então, se não foi criada uma nova modalidade de contratação, qual é a novidade?
Vamos lá: a idéia das PPPs alinha-se à tendência mundial de flexibilização na contratação de bens e serviços por parte da administração pública, após o esgotamento de praticamente todos os demais modelos tradicionais (privatização, licitação, concessão etc.), possibilitando a criação de oportunidades de negócios para a iniciativa privada. Atividades originalmente exploradas pelo Estado passam a poder ser também desfrutadas pelos particulares (isso não soa familiar?), os quais se valerão de sua eficiência e experiência no ramo escolhido para objeto da PPP.
Por uma série de motivos, principalmente a falta de recursos por parte do Estado, as PPPs foram colocadas para o público como passo fundamental para a atração de investimentos de longo prazo para projetos de infra-estrutura, saúde, segurança pública e educação. Isto porque o Estado, com suas próprias forças e orçamento, não poderia implementar (com similar com a devida eficiência, abrangência e qualidade) sozinho tais projetos.
O avanço (em relação àquilo que já existia) reside no fato de haver uma partilha de risco entre os setores público e privado, arcando o primeiro somente com a remuneração sobre a efetiva disponibilidade da obra ou serviço realizado pelo particular e dentro de parâmetros de qualidade e eficiência pré-determinados (dispensando, portanto, o desembolso imediato de recursos por parte do Estado). Argumenta-se que nesse modelo a partilha de riscos é mais equilibrada do que nas nas tradicionais formas de contratação, tais como nas concessões.
Em contrapartida, o Estado precisa demonstrar sua credibilidade como sócio dessa modalidade de empreendimento em conjunto, daí porquê existem muitos investidores céticos com relação ao sucesso das PPPs (até porque sem investimento da iniciativa privada, nenhum projeto de PPP poderá ser sequer contemplado). Aí entra um primeiro problema: a histórica instabilidade das decisões tomadas pelo Estado brasileiro, com mudanças de orientação não apenas entre diferentes governantes mas também dentro do mesmo mandato pode vir a pesar em desfavor das PPPs, que teriam os mesmos problemas enfrentados por contratos de concessão em geral.
Outras perguntas surgem:
a) A criação de uma nova modalidade de contratação é realmente condição necessária para a atração de investimentos de longo prazo?
b) Por que acreditar que uma nova modalidade que incorre em muitos dos erros e incentivos perversos das anteriores resolverá o problema?
c) Quem regulará e fiscalizará os contratos de PPPs?
d) Qual o regime tributário aplicável, já que o próprio Estado é um dos parceiros do empreendimento? Público ou privado? Existirá algum incentivo fiscal nas PPPs (caso em que haverá criação de distorções nos mercados onde tal tipo de contratação se fizer presente)?
e) Como será selecionado o parceiro privado? Quais as garantias de imparcialidade nessa escolha?
f) Como minimizar os riscos existentes, sejam eles de crédito por parte da administração, político, do próprio contrato, de desapropriação, da morosidade judicial para solução de conflitos, da variação cambial nos casos de investimentos estrangeiros, da ilegalidade do próprio contrato firmado entre as partes em relação às demais leis em vigor no país? A instituição da modalidade de contratação "PPP" mitiga algum destes riscos?
Assumindo como verdade a simplificação de que "quanto maior o risco, maior deve ser o retorno", as garantias a serem oferecidas aos particulares deverão ser claras, sólidas e proporcionais ao montante a ser por eles aportado, até porque tal desembolso será de imediato e a remuneração por parte do Estado virá tão-somente no momento da efetiva disponibilização da obra ou serviço à população. Diante de tantas questões mal-definidas, é criado um ambiente de incerteza que inibe os investimentos privados.
Seguindo adiante, um problema que me preocupa particularmente é a a ausência de definição precisa dos órgãos contratantes (permitindo a fuga do controle orçamentário da União, Estados, Distrito Federal e municípios). Corremos o risco do instituto da parceria público-privada tornar-se uma fonte de déficits crescentes? Uma "rota de fuga" ao controle orçamentário atualmente existente? Ainda, a precedência nos pagamentos das PPPs em relação aos contratos de obras públicas poderá dinamitar a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Outro problema relevante para o caso brasileiro: a possibilidade de os concorrentes poderem apresentar propostas técnicas alternativas para a execução das obras sob parcerias abre uma brecha para que administradores burlemitens fundamentais em uma licitação, tais como julgamento objetivo, isonomia e vinculação ao edital do certame.
Mas a minha lista de dúvidas e preocupações ainda não acabou... O texto final (aprovado pelo Senado Federal) suprimiu a exigência de pré-qualificação para a concorrência e a apresentação do projeto básico, condição essencial para a abertura do processo licitatório no texto que passou pela Câmara dos Deputados. O texto em vigor permite que os interessados apresentem estudos e projetos com valores arbitrários de ressarcimento, que poderão ser aprovados pela Administração Pública sem licitação (talvez até com vantagens do proponente sobre os demais interessados). O problema de fundo gerado por essas supressões e ausências é que elas permitem escolhas subjetivas de propostas, abrindo vasta avenida para acertos, digamos, espúrios entre administradores públicos e empresas privadas.
Por fim, esta nova modalidade corre o risco de transformar-se num instituto onde o próprio poder público garantirá o retorno do investimento privado através da criação de um Fundo Garantidor, de forma que se o retorno não corresponder ao inicialmente previsto o Estado irá remunerar os serviços, de modo a recompor o lucro do parceiro privado; assim os riscos do empreendimento seriam integralmente suportados pelo Poder Público que se obriga a garantir a rentabilidade do investimento de seu “parceiro”... um negócio da China, vindo de um governo que tanto se preocupa em criticar as vantagens dadas pelo anterior ao investidor privado .